Galeria: artigo “A preservação documentada da memória cultural”

A preservação documentada da memória cultural.
Folha de S. Paulo, 31.10.1976, Ilustrada, Artes Visuais, p.56.
editor Luiz Ernesto Machado Kawall
(texto integral)

Primeiro de uma série de cinco artigos
com entrevistas e comentários.



Pioneiro no Brasil, pluridisciplinar e interdisciplinar, o IDART, banco-de-dados culturais da Prefeitura, dá seguimento às pesquisas iniciadas por Mário de Andrade, Paulo Duarte e Sergio Milliet há 40 anos em S. Paulo.

O prefeito Olavo Setúbal foi conhecer o IDART, que funciona (mal instalado e pouco equipado) no andar térreo da Secretaria da Cultura, na rua do Carmo, antiga casa da marquesa de Santos. O secretário Max Feffer (nota: Secretário de Estado da Cultura) já propôs um convênio com o IDART em âmbito estadual. O governador Paulo Egidio, recentemente, encontrou-se com a diretora Maria Eugênia Franco e colaboradores, em casa de um artista, a fim de conhecer os trabalhos e a equipe do IDART.

Afinal, o que é o IDART? Sábato Magaldi, secretário da Cultura, responde a Artes Visuais:
– ‘O Departamento de Informação e Documentação Artísticas, IDART, da Secretaria de Cultura da Prefeitura de São Paulo foi projetado para constituir-se num Instituto de Documentação Artística, pluridisciplinar e interdisciplinar.’

– ‘Experiência pioneira no Brasil, sua função básica, de acordo com a lei que o criou, [é] documentar a criatividade internacional e nacional, do passado e do presente, em dez campos de atividades artísticas e nas que se encontram com estas relacionadas, canalizando a recuperação de informação, por via biblioteconômica, inicialmente, e, mais tarde, computerizada, pela formação de um ‘banco de dados’ ‘.

– ‘Abrange as seguintes disciplinas artísticas: Arquitetura, urbanismo, paisagismo; Artes Cênicas: teatro, dança, circo, espetáculo em geral; Artes Gráficas: comunicação visual, comunicação urbana, tipografia, fotografia; Artes Plásticas: pintura, desenho, gravura, escultura, objeto, manifestações plásticas diversas; Cinema, em suas realizações várias; Comunicação de Massa: imprensa, rádio, TV, publicidade e outros ‘mídias’; Desenho Industrial, em suas diversas áreas. Folclore, urbano e rural, e as várias manifestações de arte espontânea; Literatura, quando em relação com a Semiótica, nesses vários campos artísticos; Música e Som, em realizações e/ou manifestações específicas.’

– ‘Na área internacional, seu programa prevê o desenvolvimento da DISCOTECA E BIBLIOTECA DE MÚSICA (criada por Mário de Andrade em 1935) e a BIBLIOTECA DE ARTES (que Sergio Milliet idealizou, em 1945). Propõe a atualização e ampliação de seus acervos, métodos de arquivamento, registro biblioteconômico e documental, a fim de ampliar, paralelamente, vários tipos de informação, nas dez áreas artísticas de que se ocupa’.

– ‘Para cobrir as carências de informação e documentação, na área nacional o projeto criou o CENTRO DE PESQUISAS DE ARTE BRASILEIRA, que: nos dez citados campos de criatividade, fará o levantamento de nossas realizações artísticas com o objetivo básico de ‘preservação da memória nacional’. (N. da R.: o Centro é dirigido pelo poeta, escritor, Professor de Literatura e teoria de comunicação Décio Pignatari, do qual, oportunamente, publicaremos entrevista [sobre] objetivos setoriais do Centro.) (sic)

– ‘O campo de pesquisas do Centro é, especificamente, a cultura da Grande São Paulo. A documentação recolhida é toda ela reunida no Arquivo Documental de Arte Brasileira, que deverá armazenar e preparar, para uso, não apenas a documentação levantada pelas pesquisas, como toda informação sobre arte brasileira recebida de outras fontes.’

– ‘Encontra-se o Centro de Pesquisas em fase de implantação, tendo já realizado o programa correspondente à cobertura documental de alguns dos principais eventos artísticos ocorridos no 1º semestre de 1976, em São Paulo.’

– ‘Baseados nessa experiência, o projeto sugere aos Estados a criação de órgãos semelhantes, Centros de Pesquisas de Arte Brasileira, de natureza regional, que estabeleceriam um sistema de permuta de informações, por convênio e, ao mesmo tempo, canalizariam os dados recolhidos para uma Central de Informações sobre Arte Brasileira, a ser instalada em Brasília, junto ao Centro Nacional de Referência Cultural da Fundação Cultural da Cidade.

‘Paralelamente às atividades de documentação internacional e nacional, o IDART desenvolverá um ‘Programa de Divulgação das Atividades Artísticas de São Paulo’ já em fase prioritária. Encontra-se, em estudos, pela Assistência Técnica da Diretoria do Departamento, um tipo novo de ‘publicidade cultural’, que obedece a um critério didático informativo.’

Esse programa prevê a divulgação de informações sobre os eventos artísticos da cidade de São Paulo, pela imprensa, rádio, TV, cinema, ruas, estações, metrôs, etc. Terá, também, difusão estadual, nacional e latino americana.

‘Cuidará, ainda, o IDART de intercâmbio intensivo com instituições congêneres, nacionais e internacionais.’

‘O IDART pretende editar publicações de vários gêneros e instalar diversos laboratórios, para venda a preço de custo, de cópias de documentos recolhidos, como filmes, vídeo-tapes, fitas magnéticas gravadas, fotos, micro-filmes, xerocópias, qualquer outro tipo de reprografia documental.’

‘O ante-projeto de criação do Departamento de Informação Artísticas e de autoria da crítica de arte Maria Eugenia Franco, como diretora do extinto Departamento do Patrimônio Artístico-Cultural, da Secretaria Municipal de Cultura. Para sua elaboração, consultou vários especialistas. E sua Diretora, a convite da atual administração. (sic) Seu ante-projeto, criou, também, o Departamento do Patrimônio Histórico, para preservação e documentação específicas da cidade de São Paulo, proteção a monumentos e obras de valor artístico histórico a semelhança do que realiza o IPHAN, do MEC, em nível nacional.’

A esperança da diretora M. E. Franco

Maria Eugenia Franco, crítica de arte (‘Folha da Manhã’, ‘O Estado de S. Paulo’, nos anos 40/50), prêmio para o Melhor Trabalho Crítico sobre a II Bienal de São Paulo, organizadora e diretora da Seção de Arte da Biblioteca Municipal, onde manteve, durante 30 anos, uma atividade cultural de reconhecida importância para o nosso meio, é a diretora do IDART. Ela diz a Artes Visuais que o IDART, sigla adotada para o Departamento de Informação e Documentação Artística da Secretaria da Cultura, nasceu na administração do prefeito Colasuonno, sendo Secretário Municipal da Cultura, interino, Luiz Mendonça de Freitas, que como Secretário dos Negócios Extraordinários, havia transformado o antigo Departamento Municipal de Cultura em Secretaria Municipal de Cultura.

– ‘Há 40 anos quando Paulo Duarte, Mário de Andrade e outros, com apoio do Prefeito Fabio Prado, criaram o Departamento Municipal de Cultura, nada existia, no campo cultural das instituições de São Paulo. Agora, o Departamento estava atrofiado. A criação da Secretaria Municipal de Cultura foi importantíssima: concretizou uma possibilidade de desenvolvimento das atividades culturais da Prefeitura de São Paulo. Garantiu-lhes maiores verbas e uma ampliação das estruturas técnicas e administrativas. Forçou a descentralização para favorecer a expansão das várias áreas.

– ‘Quando estudei [a] lei da nova Secretaria, verifiquei que a Discoteca Municipal e a Biblioteca de Arte, criadas, respectivamente, por Mário de Andrade e Sergio Milliet: uma, há 40 anos, outra, há 30 anos, continuavam exatamente com a mesma estrutura, ou seja, tão atrofiadas quanto antes.

P – Qual foi sua atuação, diante desse fato:
R – Imediatamente, a do apelo, a do respeito de auxílio, a do protesto. Creio que tenho feito isto minha vida toda, pelas instituições da Prefeitura. Com a colaboração, esclarecida de Lenira Fracarolli, criadora e organizadora e ex-diretora da Biblioteca Infantil de São Paulo, falei com Dulce Sales Cunha Braga que, com sua argúcia de sempre, percebeu a importância do problema, levando-o a Dr. Luiz Mendonça de Freitas e ao Prefeito Miguel Colasuonno. Fui ouvida por Dr. Freitas com excepcional atenção a uma aguda compreensão de tudo que lhe expus. Dias depois, o Prefeito me convidou para dirigir o Departamento do Patrimônio artístico-Cultural, aonde se encontravam as instituições cuja defesa havia assumido. Inicialmente, recusei a honra do convite. Queria me dedicar a pesquisas, a trabalhos pessoais. Mas senti que não tinha o direto moral e cultural de negar minha colaboração. Conhecia o ‘interior’ dos problemas, e o convite me garantia plena liberdade para reformular o Departamento. Era uma oportunidade rara, que me permitiria, talvez, conseguir coisas de interesse público, pelas quais sempre lutei, algumas vezes sem resultados.’

– ‘Felizmente, deu certo: a ‘visão aberta’ encontrada na administração do prefeito Miguel Colasuonno e a lucidíssima colaboração de Dr. Luiz Mendonça de Freitas transformaram meu anteprojeto em lei. Graças, também, ao apoio total de Sábato Magaldi, ao auxílio tão firme da APCA, à atenção dos vários especialistas que consultei e à compreensão da Câmara Municipal. Mas, é justo lembrar-se: a lei foi sancionada pelo Prefeito Olavo Setubal, um homem que teve a superioridade de aprovar o projeto de seu antecessor, colocando os interesses culturais acima da competição política, num gesto rato e nobre.’

P – De onde nasceu seu projeto do IDART?
R – ‘Talvez tenha sido o resultado do ‘amadurecimento’ de experiências e vivências pessoais. Dirigi, durante trinta anos, uma Biblioteca Pluridisciplinar de Arte, e o ‘início’ de um Arquivo Documental de Arte Brasileira, onde comecei o registro dos eventos artísticos de São Paulo e da obra dos nossos artistas. Foi tudo logo paralisado, por falta de verba e de funcionários. Fiz também um estágio de seis meses, em 1948, no Setor de Documentação da UNESCO, ainda muito em começo, naquele após guerra. Nessas duas atualizações, vi e vivi sempre, ‘dificuldades’ funcionais, operacionais e materiais, para as tarefas do pesquisador, em instituições de natureza ‘para-universitária’.’

‘Por isso, no anteprojeto que elaborei, procurei definir uma estrutura orgânica, juridicamente protegida, de forma a dar aos programas culturais de trabalho, às pesquisas, sobretudo, condições necessárias à sua aplicação e ampliação progressivas. Continuava a tradição do ‘espírito de pesquisa’ iniciado, no Departamento de Cultura, por Mário de Andrade, com a colaboração de Oneyda Alvarenga e Luiz Sala.

Mas programei um organismo pluridisciplinar, justamente para impedir a tendência que têm os especialistas de se fecharem em seu campo de atividades, como se fosse um mundo único. A cultura, até mesmo em áreas específicas, como as disciplinas artísticas, é pluridisciplinar e, muitas vezes, interdisciplinar. É uma estrutura global, formada por vasos intercomunicantes. Deste conceito partiu meu projeto do Centro de Pesquisas de Arte Brasileira e do IDART, concebido também em função da arte internacional.

É curioso que, ignorando o projeto de Aloisio Magalhães, para a Fundação Cultural de Brasília, e ele, meu projeto, imaginamos organismos semelhantes, em sua preocupação básica: a de preservação da ‘memória’ nacional. Mas os projetos regionais poderão ‘alimentar’ no futuro, o Centro Nacional de Referência Cultural.’

P – Como se desenvolvem as pesquisas e a escolha dos pesquisadores?
R – ‘Os pesquisadores são escolhidos por currículo, exigindo-se formação universitária, especializada na área em que deverão trabalhar. Meu projeto inicial tinha dez áreas (estamos trabalhando com oito) e seis pesquisadores em cada área, para recolherem dados sobre o presente e o passado da vida artística paulista. Temos apenas a metade. Havia proposto, também, a contratação de estudantes, como ‘auxiliares de pesquisa’. Eles nos fazem muita falta para tarefas mais simples. Os pesquisadores mais experientes deveriam ser aproveitados para a análise da documentação recolhida, preparando publicações e outros ‘mídia’ de divulgação, para aproveitamento integral do material coletado. Há vários ‘níveis’, num trabalho concebido em grande escala.’

– ‘No IDART, a programação é decidida por um colegiado de especialistas, que constituem um ‘Conselho de Pesquisas’. Este Conselho é formado por mim, como Diretora do Departamento, os Assistentes Técnicos, Lais Moura, e Jurídico da Diretoria, procuradora Maria de Lourdes Ferreira, pelo diretor do Centro de Pesquisas, Décio Pignatari, e os supervisores de cada área especializada, cujos nomes são citados adiante. Nossas reuniões foram essenciais, sobretudo nos primeiros meses, para definirmos, num trabalho de equipe as diretrizes gerais e particulares da escolha dos temas a serem pesquisados e o desenvolvimento das várias tarefas.’

– ‘Estamos realizando, talvez, um programa inédito, no Brasil, ao nos propormos estudar e documentar os vários campos de cultura artística de São Paulo, tomada como laboratório de uma experiência de estética sociológica: levantamento e análise pluridisciplinar e interdisciplinar de uma cultura artística urbana, surgida numa cidade industrial brasileira.

– ‘Tive uma formação sociológica (Escola de Sociologia e Política e uma experiência marcante: assisti a aulas de Claude Lévi-Strauss). Talvez, por isso, penso muito em ter, em nossa equipe, especialistas em estética sociológica, para um enfoque científico, sob o ângulo sociológico, do material que está sendo levantado por nós.’

– ‘Quanto aos pesquisadores, serão garantidos seus ‘direitos autorais” e a ‘prioridade’ ao uso de elementos recolhidos, quando iniciadores de um trabalho, individualmente ou em equipe.’

– ‘Ainda não temos as condições ideais de trabalho. Não se monta um Centro de Pesquisas tão complexo, num ano apenas. Nos faltam ainda um local adequado, salas climatizadas para Arquivos, Oficinas gráficas, Laboratórios de som, fotografia e microfilmagem. Toda a estrutura operacional e técnica, enfim. Também os equipamentos para o Arquivo Documental e os métodos de armazenagem de documentos precisam ser rigorosamente estudados. Não temos a infra-estrutura indispensável.’

– ‘Mas, depois da visita do Prefeito Olavo Setubal e de um importante encontro do IDART com o governador Paulo Egidio Martins, passei a acreditar um pouco mais no futuro do nosso Departamento.’

Áreas e supervisores do Centro de Pesquisas

As áreas do Centro de Pesquisas de Arte Brasileira do IDART, e respectivos supervisores e equipes, são estas:

Arquitetura e Desenho Industrial – Supervisor, arquiteto Claudio da Rosa Ferlauto; pesquisadores: arquitetos Bluette Fortes Santa Clara, João Batista Novelli Junior, Luiz Otavio Zamarioli e Otavio Saito.

Artes Cênicas – Supervisora: Maria Thereza Vargas; pesquisadores: Carlos Eugenio Marcondes de Moura, Claudia de Alencar Bittencourt, Linneu Moreira Dias e Angela Muraro Alves de Lima (sic).

Artes Gráficas – Supervisor: Fernando Lemos; pesquisadores: Eduardo de Jesus Rodrigues e Hermelindo Fiaminghi, e Julio Plaza.

Artes Plásticas – Supervisor: Raphael Buongermino Netto; pesquisadores: Daisy Valle Machado Peccinini, Maria Vanessa Rego de Barros Cavalcanti, Radha Abramo, Regina Helena Dutra Rodrigues Ferreira da Silva e Sonia Pietro.

Arte Popular – Leila Coelho Frota.

Cinema – Supervisor: Carlos Roberto Rodrigues de Souza; pesquisadores: Eliana de Oliveira Queiroz, José Carvalho Motta e Zulmira Ribeiro Tavares.

Comunicação de massa – Supervisor: Decio Pignatari; pesquisadores: Carlos Alberto Valero de Figueiredo, Eliana Lobo de Andrade Jorge, Flávio Luiz Porto da Silva, Maria Luisa Biandy Vercesi (sic) e Rita Okamura.

Literatura e Semiótica – Supervisora: Lucrécia D’Alessio Ferrara; pesquisadores: Cristine Marie Tedeschi Conforti Serroni, Diná Yoshizak, Erson de Martins de Oliveira, Norval Baitello Junior.

Música e Som – Supervisor: Mastro Damiano Cozzella; pesquisadores: Dorotéa Machado Kerr, Fernando C. Duarte e Ricardo Lobo de Andrade.

Arquivo documental – Supervisora: Maria José Camargo de Carvalho


Fonte:
A preservação documentada da memória cultural.
Folha de S. Paulo, 31.10.1976, Ilustrada, Artes Visuais, p.56.
https://acervo.folha.com.br/digital/leitor.do?numero=6020&anchor=5868860  (acesso para assinantes)