Galeria: artigo “A preservação documentada da memória cultural”

A preservação documentada da memória cultural.
Folha de S. Paulo, 31.10.1976, Ilustrada, Artes Visuais, p.56.
editor Luiz Ernesto Machado Kawall
(texto integral)

Primeiro de uma série de cinco artigos
com entrevistas e comentários.



Pioneiro no Brasil, pluridisciplinar e interdisciplinar, o IDART, banco-de-dados culturais da Prefeitura, dá seguimento às pesquisas iniciadas por Mário de Andrade, Paulo Duarte e Sergio Milliet há 40 anos em S. Paulo.

O prefeito Olavo Setúbal foi conhecer o IDART, que funciona (mal instalado e pouco equipado) no andar térreo da Secretaria da Cultura, na rua do Carmo, antiga casa da marquesa de Santos. O secretário Max Feffer (nota: Secretário de Estado da Cultura) já propôs um convênio com o IDART em âmbito estadual. O governador Paulo Egidio, recentemente, encontrou-se com a diretora Maria Eugênia Franco e colaboradores, em casa de um artista, a fim de conhecer os trabalhos e a equipe do IDART.

Afinal, o que é o IDART? Sábato Magaldi, secretário da Cultura, responde a Artes Visuais:
– ‘O Departamento de Informação e Documentação Artísticas, IDART, da Secretaria de Cultura da Prefeitura de São Paulo foi projetado para constituir-se num Instituto de Documentação Artística, pluridisciplinar e interdisciplinar.’

– ‘Experiência pioneira no Brasil, sua função básica, de acordo com a lei que o criou, [é] documentar a criatividade internacional e nacional, do passado e do presente, em dez campos de atividades artísticas e nas que se encontram com estas relacionadas, canalizando a recuperação de informação, por via biblioteconômica, inicialmente, e, mais tarde, computerizada, pela formação de um ‘banco de dados’ ‘.

– ‘Abrange as seguintes disciplinas artísticas: Arquitetura, urbanismo, paisagismo; Artes Cênicas: teatro, dança, circo, espetáculo em geral; Artes Gráficas: comunicação visual, comunicação urbana, tipografia, fotografia; Artes Plásticas: pintura, desenho, gravura, escultura, objeto, manifestações plásticas diversas; Cinema, em suas realizações várias; Comunicação de Massa: imprensa, rádio, TV, publicidade e outros ‘mídias’; Desenho Industrial, em suas diversas áreas. Folclore, urbano e rural, e as várias manifestações de arte espontânea; Literatura, quando em relação com a Semiótica, nesses vários campos artísticos; Música e Som, em realizações e/ou manifestações específicas.’

– ‘Na área internacional, seu programa prevê o desenvolvimento da DISCOTECA E BIBLIOTECA DE MÚSICA (criada por Mário de Andrade em 1935) e a BIBLIOTECA DE ARTES (que Sergio Milliet idealizou, em 1945). Propõe a atualização e ampliação de seus acervos, métodos de arquivamento, registro biblioteconômico e documental, a fim de ampliar, paralelamente, vários tipos de informação, nas dez áreas artísticas de que se ocupa’.

– ‘Para cobrir as carências de informação e documentação, na área nacional o projeto criou o CENTRO DE PESQUISAS DE ARTE BRASILEIRA, que: nos dez citados campos de criatividade, fará o levantamento de nossas realizações artísticas com o objetivo básico de ‘preservação da memória nacional’. (N. da R.: o Centro é dirigido pelo poeta, escritor, Professor de Literatura e teoria de comunicação Décio Pignatari, do qual, oportunamente, publicaremos entrevista [sobre] objetivos setoriais do Centro.) (sic)

– ‘O campo de pesquisas do Centro é, especificamente, a cultura da Grande São Paulo. A documentação recolhida é toda ela reunida no Arquivo Documental de Arte Brasileira, que deverá armazenar e preparar, para uso, não apenas a documentação levantada pelas pesquisas, como toda informação sobre arte brasileira recebida de outras fontes.’

– ‘Encontra-se o Centro de Pesquisas em fase de implantação, tendo já realizado o programa correspondente à cobertura documental de alguns dos principais eventos artísticos ocorridos no 1º semestre de 1976, em São Paulo.’

– ‘Baseados nessa experiência, o projeto sugere aos Estados a criação de órgãos semelhantes, Centros de Pesquisas de Arte Brasileira, de natureza regional, que estabeleceriam um sistema de permuta de informações, por convênio e, ao mesmo tempo, canalizariam os dados recolhidos para uma Central de Informações sobre Arte Brasileira, a ser instalada em Brasília, junto ao Centro Nacional de Referência Cultural da Fundação Cultural da Cidade.

‘Paralelamente às atividades de documentação internacional e nacional, o IDART desenvolverá um ‘Programa de Divulgação das Atividades Artísticas de São Paulo’ já em fase prioritária. Encontra-se, em estudos, pela Assistência Técnica da Diretoria do Departamento, um tipo novo de ‘publicidade cultural’, que obedece a um critério didático informativo.’

Esse programa prevê a divulgação de informações sobre os eventos artísticos da cidade de São Paulo, pela imprensa, rádio, TV, cinema, ruas, estações, metrôs, etc. Terá, também, difusão estadual, nacional e latino americana.

‘Cuidará, ainda, o IDART de intercâmbio intensivo com instituições congêneres, nacionais e internacionais.’

‘O IDART pretende editar publicações de vários gêneros e instalar diversos laboratórios, para venda a preço de custo, de cópias de documentos recolhidos, como filmes, vídeo-tapes, fitas magnéticas gravadas, fotos, micro-filmes, xerocópias, qualquer outro tipo de reprografia documental.’

‘O ante-projeto de criação do Departamento de Informação Artísticas e de autoria da crítica de arte Maria Eugenia Franco, como diretora do extinto Departamento do Patrimônio Artístico-Cultural, da Secretaria Municipal de Cultura. Para sua elaboração, consultou vários especialistas. E sua Diretora, a convite da atual administração. (sic) Seu ante-projeto, criou, também, o Departamento do Patrimônio Histórico, para preservação e documentação específicas da cidade de São Paulo, proteção a monumentos e obras de valor artístico histórico a semelhança do que realiza o IPHAN, do MEC, em nível nacional.’

A esperança da diretora M. E. Franco

Maria Eugenia Franco, crítica de arte (‘Folha da Manhã’, ‘O Estado de S. Paulo’, nos anos 40/50), prêmio para o Melhor Trabalho Crítico sobre a II Bienal de São Paulo, organizadora e diretora da Seção de Arte da Biblioteca Municipal, onde manteve, durante 30 anos, uma atividade cultural de reconhecida importância para o nosso meio, é a diretora do IDART. Ela diz a Artes Visuais que o IDART, sigla adotada para o Departamento de Informação e Documentação Artística da Secretaria da Cultura, nasceu na administração do prefeito Colasuonno, sendo Secretário Municipal da Cultura, interino, Luiz Mendonça de Freitas, que como Secretário dos Negócios Extraordinários, havia transformado o antigo Departamento Municipal de Cultura em Secretaria Municipal de Cultura.

– ‘Há 40 anos quando Paulo Duarte, Mário de Andrade e outros, com apoio do Prefeito Fabio Prado, criaram o Departamento Municipal de Cultura, nada existia, no campo cultural das instituições de São Paulo. Agora, o Departamento estava atrofiado. A criação da Secretaria Municipal de Cultura foi importantíssima: concretizou uma possibilidade de desenvolvimento das atividades culturais da Prefeitura de São Paulo. Garantiu-lhes maiores verbas e uma ampliação das estruturas técnicas e administrativas. Forçou a descentralização para favorecer a expansão das várias áreas.

– ‘Quando estudei [a] lei da nova Secretaria, verifiquei que a Discoteca Municipal e a Biblioteca de Arte, criadas, respectivamente, por Mário de Andrade e Sergio Milliet: uma, há 40 anos, outra, há 30 anos, continuavam exatamente com a mesma estrutura, ou seja, tão atrofiadas quanto antes.

P – Qual foi sua atuação, diante desse fato:
R – Imediatamente, a do apelo, a do respeito de auxílio, a do protesto. Creio que tenho feito isto minha vida toda, pelas instituições da Prefeitura. Com a colaboração, esclarecida de Lenira Fracarolli, criadora e organizadora e ex-diretora da Biblioteca Infantil de São Paulo, falei com Dulce Sales Cunha Braga que, com sua argúcia de sempre, percebeu a importância do problema, levando-o a Dr. Luiz Mendonça de Freitas e ao Prefeito Miguel Colasuonno. Fui ouvida por Dr. Freitas com excepcional atenção a uma aguda compreensão de tudo que lhe expus. Dias depois, o Prefeito me convidou para dirigir o Departamento do Patrimônio artístico-Cultural, aonde se encontravam as instituições cuja defesa havia assumido. Inicialmente, recusei a honra do convite. Queria me dedicar a pesquisas, a trabalhos pessoais. Mas senti que não tinha o direto moral e cultural de negar minha colaboração. Conhecia o ‘interior’ dos problemas, e o convite me garantia plena liberdade para reformular o Departamento. Era uma oportunidade rara, que me permitiria, talvez, conseguir coisas de interesse público, pelas quais sempre lutei, algumas vezes sem resultados.’

– ‘Felizmente, deu certo: a ‘visão aberta’ encontrada na administração do prefeito Miguel Colasuonno e a lucidíssima colaboração de Dr. Luiz Mendonça de Freitas transformaram meu anteprojeto em lei. Graças, também, ao apoio total de Sábato Magaldi, ao auxílio tão firme da APCA, à atenção dos vários especialistas que consultei e à compreensão da Câmara Municipal. Mas, é justo lembrar-se: a lei foi sancionada pelo Prefeito Olavo Setubal, um homem que teve a superioridade de aprovar o projeto de seu antecessor, colocando os interesses culturais acima da competição política, num gesto rato e nobre.’

P – De onde nasceu seu projeto do IDART?
R – ‘Talvez tenha sido o resultado do ‘amadurecimento’ de experiências e vivências pessoais. Dirigi, durante trinta anos, uma Biblioteca Pluridisciplinar de Arte, e o ‘início’ de um Arquivo Documental de Arte Brasileira, onde comecei o registro dos eventos artísticos de São Paulo e da obra dos nossos artistas. Foi tudo logo paralisado, por falta de verba e de funcionários. Fiz também um estágio de seis meses, em 1948, no Setor de Documentação da UNESCO, ainda muito em começo, naquele após guerra. Nessas duas atualizações, vi e vivi sempre, ‘dificuldades’ funcionais, operacionais e materiais, para as tarefas do pesquisador, em instituições de natureza ‘para-universitária’.’

‘Por isso, no anteprojeto que elaborei, procurei definir uma estrutura orgânica, juridicamente protegida, de forma a dar aos programas culturais de trabalho, às pesquisas, sobretudo, condições necessárias à sua aplicação e ampliação progressivas. Continuava a tradição do ‘espírito de pesquisa’ iniciado, no Departamento de Cultura, por Mário de Andrade, com a colaboração de Oneyda Alvarenga e Luiz Sala.

Mas programei um organismo pluridisciplinar, justamente para impedir a tendência que têm os especialistas de se fecharem em seu campo de atividades, como se fosse um mundo único. A cultura, até mesmo em áreas específicas, como as disciplinas artísticas, é pluridisciplinar e, muitas vezes, interdisciplinar. É uma estrutura global, formada por vasos intercomunicantes. Deste conceito partiu meu projeto do Centro de Pesquisas de Arte Brasileira e do IDART, concebido também em função da arte internacional.

É curioso que, ignorando o projeto de Aloisio Magalhães, para a Fundação Cultural de Brasília, e ele, meu projeto, imaginamos organismos semelhantes, em sua preocupação básica: a de preservação da ‘memória’ nacional. Mas os projetos regionais poderão ‘alimentar’ no futuro, o Centro Nacional de Referência Cultural.’

P – Como se desenvolvem as pesquisas e a escolha dos pesquisadores?
R – ‘Os pesquisadores são escolhidos por currículo, exigindo-se formação universitária, especializada na área em que deverão trabalhar. Meu projeto inicial tinha dez áreas (estamos trabalhando com oito) e seis pesquisadores em cada área, para recolherem dados sobre o presente e o passado da vida artística paulista. Temos apenas a metade. Havia proposto, também, a contratação de estudantes, como ‘auxiliares de pesquisa’. Eles nos fazem muita falta para tarefas mais simples. Os pesquisadores mais experientes deveriam ser aproveitados para a análise da documentação recolhida, preparando publicações e outros ‘mídia’ de divulgação, para aproveitamento integral do material coletado. Há vários ‘níveis’, num trabalho concebido em grande escala.’

– ‘No IDART, a programação é decidida por um colegiado de especialistas, que constituem um ‘Conselho de Pesquisas’. Este Conselho é formado por mim, como Diretora do Departamento, os Assistentes Técnicos, Lais Moura, e Jurídico da Diretoria, procuradora Maria de Lourdes Ferreira, pelo diretor do Centro de Pesquisas, Décio Pignatari, e os supervisores de cada área especializada, cujos nomes são citados adiante. Nossas reuniões foram essenciais, sobretudo nos primeiros meses, para definirmos, num trabalho de equipe as diretrizes gerais e particulares da escolha dos temas a serem pesquisados e o desenvolvimento das várias tarefas.’

– ‘Estamos realizando, talvez, um programa inédito, no Brasil, ao nos propormos estudar e documentar os vários campos de cultura artística de São Paulo, tomada como laboratório de uma experiência de estética sociológica: levantamento e análise pluridisciplinar e interdisciplinar de uma cultura artística urbana, surgida numa cidade industrial brasileira.

– ‘Tive uma formação sociológica (Escola de Sociologia e Política e uma experiência marcante: assisti a aulas de Claude Lévi-Strauss). Talvez, por isso, penso muito em ter, em nossa equipe, especialistas em estética sociológica, para um enfoque científico, sob o ângulo sociológico, do material que está sendo levantado por nós.’

– ‘Quanto aos pesquisadores, serão garantidos seus ‘direitos autorais” e a ‘prioridade’ ao uso de elementos recolhidos, quando iniciadores de um trabalho, individualmente ou em equipe.’

– ‘Ainda não temos as condições ideais de trabalho. Não se monta um Centro de Pesquisas tão complexo, num ano apenas. Nos faltam ainda um local adequado, salas climatizadas para Arquivos, Oficinas gráficas, Laboratórios de som, fotografia e microfilmagem. Toda a estrutura operacional e técnica, enfim. Também os equipamentos para o Arquivo Documental e os métodos de armazenagem de documentos precisam ser rigorosamente estudados. Não temos a infra-estrutura indispensável.’

– ‘Mas, depois da visita do Prefeito Olavo Setubal e de um importante encontro do IDART com o governador Paulo Egidio Martins, passei a acreditar um pouco mais no futuro do nosso Departamento.’

Áreas e supervisores do Centro de Pesquisas

As áreas do Centro de Pesquisas de Arte Brasileira do IDART, e respectivos supervisores e equipes, são estas:

Arquitetura e Desenho Industrial – Supervisor, arquiteto Claudio da Rosa Ferlauto; pesquisadores: arquitetos Bluette Fortes Santa Clara, João Batista Novelli Junior, Luiz Otavio Zamarioli e Otavio Saito.

Artes Cênicas – Supervisora: Maria Thereza Vargas; pesquisadores: Carlos Eugenio Marcondes de Moura, Claudia de Alencar Bittencourt, Linneu Moreira Dias e Angela Muraro Alves de Lima (sic).

Artes Gráficas – Supervisor: Fernando Lemos; pesquisadores: Eduardo de Jesus Rodrigues e Hermelindo Fiaminghi, e Julio Plaza.

Artes Plásticas – Supervisor: Raphael Buongermino Netto; pesquisadores: Daisy Valle Machado Peccinini, Maria Vanessa Rego de Barros Cavalcanti, Radha Abramo, Regina Helena Dutra Rodrigues Ferreira da Silva e Sonia Pietro.

Arte Popular – Leila Coelho Frota.

Cinema – Supervisor: Carlos Roberto Rodrigues de Souza; pesquisadores: Eliana de Oliveira Queiroz, José Carvalho Motta e Zulmira Ribeiro Tavares.

Comunicação de massa – Supervisor: Decio Pignatari; pesquisadores: Carlos Alberto Valero de Figueiredo, Eliana Lobo de Andrade Jorge, Flávio Luiz Porto da Silva, Maria Luisa Biandy Vercesi (sic) e Rita Okamura.

Literatura e Semiótica – Supervisora: Lucrécia D’Alessio Ferrara; pesquisadores: Cristine Marie Tedeschi Conforti Serroni, Diná Yoshizak, Erson de Martins de Oliveira, Norval Baitello Junior.

Música e Som – Supervisor: Mastro Damiano Cozzella; pesquisadores: Dorotéa Machado Kerr, Fernando C. Duarte e Ricardo Lobo de Andrade.

Arquivo documental – Supervisora: Maria José Camargo de Carvalho


Fonte:
A preservação documentada da memória cultural.
Folha de S. Paulo, 31.10.1976, Ilustrada, Artes Visuais, p.56.
https://acervo.folha.com.br/digital/leitor.do?numero=6020&anchor=5868860  (acesso para assinantes)

Galeria: artigo “A periferia nos planos do secretário” – Mario Chamie

A periferia nos planos do secretário.
O Estado de S Paulo, 16.09.1979, p.55.
Série Quem empresa a arte, I
(texto parcial)

Dois meses após sua posse como secretário municipal de cultura
Mario Chamie responde a uma roda de entrevistadores.

(Abertura)
“Nos quase dois meses como secretário municipal da Cultura, Mário Chamie – o intelectual que substituiu outro intelectual, Sábato Magaldi – traçou sua linha política em consonância com a administração Reynaldo de Barros, cuja preocupação maior é a periferia. Um de seus projetos mais ousados é o do Arquivo Itinerante, de tal forma elaborado a praticamente resolver o problema de verbas e a criar um mercado de trabalho para artistas. Sua política de descentralização e popularização da cultura inclui a reformulação do sistema de semanas, cursos, simpósios e palestras; a criação de um cinema da municipalidade; a abertura do Idart e do Municipal ao grande público, principalmente para espetáculos internacionais, com récitas a preços reduzidos ou grátis.



“Sheila Leirner, Nilo Scalzo, Carlos Motta, Liane Alves, Zuza Homem de Mello, Clóvis Garcia – todos críticos das diferentes áreas de arte em O Estado de S. Paulo – levantam, junto ao secretário de Cultura do Município, os principais problemas que afetam os criadores para distribuir seu produto cultural.”

(…)

Liane Alves (Televisão) – São Paulo é uma cidade desmemoriada. No Idart (Departamento de Documentação e Informação Artísticas) existem vídeo-cassetes, slides, fotografias e filmes referentes à memória da cidade, trancados a sete chaves, inacessíveis para uma consulta regular e constante da população. Por que não abrir as portas do Idart, patrocinar eventos, ministrar cursos, exibir filmes e fotografias, convidando o público, indo às escolas, para que a memória de São Paulo não fique fechada em algum cubículo inacessível?

Mário Chamie – Concordo com você quando diz ‘cubículo inacessível’ referindo-se ao Idart. Na verdade, é isso o que vem ocorrendo pela precariedade das instalações. Os espaços são de tal ordem limitados que as condições de consulta aos arquivos do Idart são praticamente nulas. Acrescenta-se a isso o fato de não se ter, também, adotado uma política de ‘oferta’ do acervo em benefício dos diversos públicos interessados. Meu objetivo é estabelecer essa política. Nesse ‘cubículo’, a memória cultural de São Paulo corre o risco de morrer asfixiada e, se alguém não abrir janelas para deixar o ar entrar, estaremos contribuindo para a destruição da nossa identidade. Contra esse mobilismo (sic) do arquivo temos tomado algumas iniciativas. O Projeto do Arquivo Itinerante, e outros complementares, procurarão aliviar ou superar esse estado de coisas. No momento está-se fazendo a reforma da antiga casa da 1ª Delegacia, ao lado da Casa da Marquesa (na rua Roberto Simonsen), onde está instalada a Secretaria Municipal de Cultura, dentro dos próximos dois ou três meses, o Idart ou parte dele para lá. Considero, porém, essa solução ainda provisória.”

Fonte:
A periferia nos planos do secretário. O Estado de S. Paulo, 16.09.1979, p.55 (acesso em: 06.01.2025) https://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19790916-32058-spo-0055-999-55-not (acesso para assinantes)

Galeria: artigo “O vigia da memória” – Boris Kossoy

BARROS, Luciana Cristina. O vigia da memória.
Folha de S. Paulo, site, 01.10.1995, Revista da Folha, n.p.
(texto integral)

O vigia da memória
Luciana Cristina de Barros (entrevista com Boris Kossoy)

Boris Kossoy, 54, é professor, fotógrafo e pesquisador, entre outros títulos. Dedica-se à história da fotografia no Brasil, entre outras histórias. Escreveu -entre outros livros- “Hercules Florence 1833: a Descoberta Isolada da Fotografia no Brasil” e “O Olhar Europeu”, junto com sua mulher, Maria Luiza Tucci Carneiro, lançado no ano passado e ganhador do prêmio Jabuti. Kossoy dirige a Divisão de Pesquisa do Centro Cultural São Paulo, que acaba de inaugurar a nova sede do arquivo Multimeios. Criado em 1975 como parte do extinto Idart (Departamento de Informação e Documentação Artísticas), o acervo ganhou espaço adequado para seus 600 mil documentos. São 20 anos de arte e cultura da cidade, divididos em artes cênicas, gráficas, plásticas, arquitetura, cinema, comunicação de massa, fotografia, literatura e música. Kossoy implantou também a área de pesquisa histórica. “Não se pode compreender o processo artístico e cultural se não se compreende o processo histórico de um país.” L.C.B.

O Brasil continua desmemoriado?
Acho que sim. O que nos falta são referências constantes. Daqui a três anos, poucas pessoas vão se lembrar da recente batalha campal entre torcedores de futebol. Na base de tudo, existe algo que se chama educação e cultura, como primeira prioridade. A história, como mãe da ciência, nos ensina o passado do homem e nos dá esclarecimentos do que somos como decorrência do passado.

Como surgiu o projeto do arquivo?
A preservação de documentos é uma questão brasileira que, nos últimos anos, vem acontecendo. Como historiador, jamais pude imaginar que uma documentação do porte e da importância da reunida no arquivo Multimeios não estivesse preservada. Ao ser convidado para dirigir a divisão de pesquisas resolvi levar adiante esta tarefa básica.

As obras consumiram muito tempo?
A construção de arquivos apropriados para a conservação de documentos não é uma tarefa fora do comum. As obras começaram no final de junho e dia 19 de setembro o arquivo foi inaugurado. A partir de agora, essa documentação passa a ter condições técnicas de preservação.

Qual a história do arquivo?
Quando o Idart foi fundado, em 1975, fazia parte dele o Centro de Pesquisas de Arte Brasileira Contemporânea. Em 1982, com a criação do Centro Cultural São Paulo, aquele centro de pesquisas foi incorporado a ele, transformando-se em Divisão de Pesquisas. Na verdade, o que a gente faz aqui é justamente pesquisa sobre a arte contemporânea brasileira, mas o nosso cenário é a cidade.
Quais as principais características da divisão que o sr. dirige e do arquivo?
Primeiro: aqui não se recebe documentação. A pesquisa é feita e os documentos são gerados por equipes da própria instituição, a partir de uma reflexão nossa. Somos cerca de 60 pesquisadores com formação universitária específica nas áreas. Segundo: o material é preservado por essa mesma instituição.

Quais os métodos de conservação?
Diferentes tipos de suporte reúnem as informações arquivadas: fotográficos, fílmicos, sonoros, gráficos e vídeos. Cerca de 70% têm base fotográfica. E existem condições museológicas aprovadas pelas instituições internacionais como parâmetros para conservação. Umidade do ar, temperatura e poluição têm que ser controladas. O equipamento planejado para cá oferece condições perfeitas de conservação.

Quanta informação nova o espaço projetado tem condição de receber?
É coisa para muitos anos, principalmente se pensarmos do ponto de vista da informática. Com o computador e o scanner você pode ter uma quantidade enorme de informações em disco, que antes exigiriam enormes armários. O espaço necessário será cada vez menor, se bem que também preservamos o documento original, a fonte primária.


Em que passo está a informatização?
O arquivo Multimeios já conta com computador próprio, além das máquinas do Centro Cultural. Primeiro, fizemos um levantamento indicativo do acervo, que será publicado em dois meses. É o inventário documental do acervo, que deverá ser anualmente atualizado. Na sequência, trataremos da transfusão e difusão das informações via banco de dados. A idéia é informatizar até a consulta, para que num momento em que o consulente não precise ver o original, ele tenha na tela do computador as condições de saber o que está lá e tenha a referência visual.

Quem pode consultar o arquivo?
Qualquer pessoa. Mas é preferível dar antes um telefonema, porque não funcionamos como biblioteca: nosso atendimento é personalizado.

Quais são as partes que compõem a nova sede do arquivo?
Há uma câmara climatizada onde fica a documentação e três salas de apoio, que também têm as condições adequadas de preservação: sala de som, de microfilme e laboratório fotográfico. A primeira é onde as fitas do acervo podem ser reproduzidas. Na sala de microfilme, guardamos principalmente a documentação de imprensa. Os microfilmes já formam uma documentação selecionada do que sai diariamente na imprensa sobre determinada área de arte ou cultura, que a pessoa pode consultar. O laboratório foi pensado para que os negativos do nosso material não saiam -como até então saíam- da instituição para serem copiados em outro lugar, o que não se concebe.

O arquivo está ligado a instituições estrangeiras semelhantes?
Não há ligação formal, mas universidades como a Sorbonne e a da Califórnia têm perfeito conhecimento do material que existe aqui. Frequentemente recebemos consultas. Queremos difundir o mais possível o que existe no arquivo. Quando entrarmos na Internet -estamos a ponto de- essa meta será facilitada.

Que outras atividades a Divisão de Pesquisas desenvolve?
Nesse momento em que se aproxima o fim do século e em que o Idart comemora 20 anos, as equipes de pesquisa estão envolvidas numa cronologia extensiva, de 75 a 95, cobrindo todas as nossas áreas. Pretendemos publicar essas cronologias. Essa série faz parte do grande projeto interdisciplinar chamado “Referências“e referências é do que o Brasil mais precisa. Além disso, estamos trabalhando num banco de dados sobre cinema; na área de arquitetura está correndo um projeto de depoimentos dos grandes nomes do Brasil; em literatura recolhemos depoimentos dos principais produtores e escritores.

Quais são seus objetivos agora?
A conclusão do projeto “Referências, com a publicação das cronologias, é uma das metas. A informatização total de anuários e pesquisas é outra -mas precisamos conseguir mais computadores.

Por que você instituiu uma nova área no arquivo, a de pesquisa histórica?
A história fotográfica de um país está vinculada ao processo histórico. Muitas vezes se tem a idéia de que a imagem reflete um fragmento de mundo. Mas o importante é saber o que está além do fragmento, o antes e o depois, para compreender a foto. Isso se passa em todas as manifestações artísticas. Mas o problema maior com a imagem é que ela nos fascina e pensamos que ela expressa a realidade. Mas a história mostra que a imagem é fruto de uma sucessão interminável de montagens técnicas, estéticas e ideológicas.

Fonte:
BARROS, Luciana Cristina. O vigia da memória. Folha de S. Paulo, site, 01.10.1995, Revista da Folha, n.p. (acesso em: 04.01.2025) https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/10/01/revista_da_folha/11.html

Galeria: artigo “Idart abre ao público suas pesquisas e arquivo de arte”

Idart abre ao público pesquisas e arquivo de arte.
O Estado de S. Paulo, 13.06.1979, p.11.
(texto integral)

“Mesmo sabendo que está em instalações precárias para satisfazer de maneira ideal seus serviços, o Idart (Departamento de Informações e Documentação Artística), da Secretaria Municipal de Cultura, resolveu abrir esta semana, na sua sede – rua Roberto Simonsen, 136 – o Arquivo Multimeios do Centro de Pesquisas para o público e pesquisadores. O horário de atendimento é das 8 às 11e30, de segunda a sexta, devendo, preferencialmente, o interessado consultar com um dia de antecedência a disponibilidade para que haja a devida orientação de um bibliotecário específico.

O Arquivo reúne informações contemporâneas sobre arquitetura, artes cênicas, plásticas e gráficas, cinema, comunicação de massa, além de literatura e música. São documentos que abordam todas as atividades registradas nestes campos, desde 1977, no município de São Paulo, com o devido currículo de cada pessoa participante, as críticas que saíram publicadas em jornais e o registro visual (diapositivos, filmes).

O Idart foi criado com a intenção de memorizar o processo cultural da cidade e o supervisor do Arquivo, Darwin Pavan Filho, explica que a iniciativa só agora se concretizou, porque todos esperavam uma mudança de local, o que acabou não acontecendo.

O Idart existe há três anos, passando pela fase de implantação no ano de 1976, seguindo-se a etapa de busca de subsídios, que só puderam ser expostos efetivamente em 1978, já que uma grande quantidade de pesquisas chega a durar praticamente um ano ou mais. “Como não temos datas de mudanças, resolvemos aproveitar o horário ocioso durante a manhã. Assim conseguimos dar um atendimento adequado às necessidades de cada indivíduo. Fisicamente nós temos condições de atender 20 pessoas por dia, mas isso vai depender do tipo de consulta, já que um colégio pode dispensar um bibliotecário e se reunir num espaço pequeno sem alterações maiores.”

Muitas pesquisas do Instituto ainda estão em andamento. É o caso das introdução à arquitetura atual de São Paulo. Outros, como o futebol, dependem diariamente da inserção de novas informações. Ainda inédito, este assunto é abordado em todos os meios artísticos possíveis com a série de detalhes constatada no meio das artes plásticas, cinema, música, artes cênicas e assim por diante. Há aproximadamente 12 publicações no prelo, que ainda não saíram, devido à falta de verbas para as edições.

Até o momento foram publicados os anuários de Artes Plásticas, um Manual de Identificação e um índice de eventos.

Por enquanto, o Idart não realizou qualquer tipo de convênio. Alguns contatos estão sendo mantidos com a Funarte, a fim de alargar as possibilidades de pesquisa, embora não haja interesse em ampliar os limites físicos estabelecidos. Em números, as pesquisas já prontas são aproximadamente 100. No ano passado, o Idart, com suas oito áreas de atuação, juntou pouco mais de 27 mil recortes de jornais, que somam com os dois anos anteriores e os de 1979, a 45 mil. Possui 30 mil documentos visuais, três mil fitas gravadas, 80 filmes super-8 e nove mil cartazes. À disposição dos interessados estão também arquivos menores com dados de alguns artistas, críticos e escritores. É sua uma discoteca que, de acordo com Darwin Pavan Filho, é o maior acervo de discos e partituras do Brasil e uma biblioteca de arte brasileira e internacional. Quase todas as peças podem ser duplicadas e, se alguém quiser uma cópia, pode pedir automaticamente, devendo pagar uma quantia estabelecida pela prefeitura.”

(nossos negritos)